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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A senhora cujo corpo não prestava


A senhora cujo corpo não prestava era uma senhora madura, marcada pelas rugas da idade, pelas dificuldades da vida. Seu cabelo era branco, tratava-se de uma senhora idosa, portanto. Não se sabe ao certo a sua idade. Nunca se pergunta a idade a uma senhora.
Sem dar aso a grande suspense, a senhora cujo corpo não prestava ficou assim apelidada, porque, segundo a mesma, "trabalho sete dias por mês e ando sempre cansada! É do meu corpo, não presta."
A senhora cujo corpo não prestava divagava frequentemente pelas suas memórias, pelas suas opiniões, era uma delícia ouvi-las...
A sua infância, curta infância por sinal, oriunda de família pobre, cedo soube o que era o trabalho no campo. Nunca frequentou a escola, não sabe ler nem escrever.
Casou cedo, era o que se esperava de uma jovem mulher naqueles tempos. E os filhos não demoraram a aparecer... e a crescer...
O seu filho João sempre se revelou um rebelde: passava todo o tempo livre a jogar à bola com o melhor amigo, o António. Não mostrava interesse pela escola, tinha que ir porque era obrigado.
Certo dia, o António ganha um desempate do primeiro round de penalties e exclama:
- Bem, desempate feito, vou para casa!
- Já? Tão cedo? - pergunta o João - Desafio-te para um segundo round, alinhas?
- Oh, hoje não, quero chegar cedo a casa. A minha mãe vai fazer misturadas para o jantar. E como é o meu prato preferido, eu gosto de ajudá-la.
- Vai lá então, mas amanhã quero a desforra. - disse o João.
Despediram-se e cada um seguiu o seu caminho para casa.
Já em casa, o João, visivelmente frustrado pela derrota, grita com a mãe:
- A mãe do António faz-lhe sempre misturadas para o jantar. Eu nunca como misturadas. Também quero misturadas.
- Meu querido filho, amanhã terás misturadas para o jantar. Seja feita a tua vontade. - disse a mãe, a senhora cujo corpo não prestava.
O João ficou radiante; amanhã comeria misturadas... como o seu melhor amigo, o António.
Quando chegou a hora da refeição, o João apanhou uma valente desilusão. As misturadas eram somente pão com feijão, assim uma espécie de açorda de feijão.
A partir desse momento, o João percebeu que apesar das dificuldades da sua família - não tinha as sapatilhas que tanto desejava, os brinquedos eram escassos - outras famílias haviam, em condições piores.
Chegará o dia em que as misturadas voltarão aos lares portugueses? Como no tempo de Salazar?



4 comentários:

  1. Tal era a fome que passavam que a misturada era para ele o manjar dos Deuses, já nós desconheçemos o que será ter fome, que isto está mal está mas tenho as minhas dúvidas que chegue até esse ponto

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  2. Olha que não sei, Cris! Já vivemos dias melhores... como isto se anda a pôr, n sei n...

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  3. :) Essa música é mt fixe!!! Já a publiquei aqui no blog!

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